Onde o sol derramou ouro

O dia estava gelado e chuvoso e eu não tinha a menor vontade de pegar a serra e dirigir até a casa de minha filha. Ela insistira para que eu fosse ver algo no alto da montanha.

Portanto lá estava eu, fazendo com relutância a viagem de duas horas no meio de envolvente nevoeiro. Quando percebi que me encontrava perto do cume, já tinha ido longe demais para voltar. Não há nada que compense isso, pensei, avançando lentamente pela estrada perigosa.

– Fico para o almoço, mas vou voltar assim que melhorar o nevoeiro – avisei logo ao chegar.
– Mas quero que me leve à oficina para pegar meu carro – disse ela. – Podemos fazer isso, pelo menos?
– É longe?
– Três minutos – respondeu ela. – Eu dirijo. Já estou acostumada.

Depois de 10 minutos na estrada da serra, olhei para ela, apreensivamente.
– Entendi você dizer três minutos.
Ela sorriu.
– Este é um atalho.

Seguindo por uma trilha estreita, estacionamos o carro e saltamos, tomando o caminho coberto por folhas de pinheiro. Imensas coníferas pairavam sobre nós. Aos poucos a paz e o silêncio do lugar começaram a me encher o espírito. Fizemos a curva e parei, com uma exclamação de assombro.

Do alto da montanha desciam para os vales, torrentes de narcisos de beleza radiosa. Uma profusão de cores – do pálido marfim ao verde mais escuro e ao salmão mais vivo – resplandecia como um tapete diante de nós. Parecia que o sol se inclinara, derramando ouro pela encosta da montanha.

No centro jorrava uma cascata de jacintos roxos. Aqui e ali havia tulipas cor de coral. E, como se não bastasse a exuberância, azulões se divertiam por sobre os narcisos, o corpo carmesim e as asas cor de safira lembrando o faiscar de joias.

Minha cabeça fervilhava de dúvidas. Quem criara tanta beleza? Como? Quando?

Ao nos aproximarmos da casa no centro da propriedade, vimos uma placa. Ali estavam as resposta que procurava.

A primeira resposta: Uma só mulher. A segunda: pouco a pouco. A terceira: início, 1958.

Ao voltarmos para casa, minha emoção diante do que vira foi tanta que mal conseguia falar.
– Ela transformou o mundo – pronunciei, afinal. Começou a quase 40 anos, provavelmente apenas o raiar de uma ideia, mas foi perseverante.

Aquele assombro não cessava.
– Imagine se eu tivesse tido uma visão e nela trabalhado, só um pouco a cada dia, o que poderia ter realizado?

Minha filha olhou-me de lado, sorrindo.
– Comece amanhã – disse ela. – Melhor ainda, hoje mesmo.

Sempre é tempo de começar…aceite o conselho, e comece ainda hoje mesmo. Agora!

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