Festa

A festa é para uma só pessoa.Você tem agora todo o tempo do mundo. Porque, se você não tiver todo o tempo do mundo, não adianta. (Se você tiver pressa vá fazer outra coisa!)
Então arrume a mesa para um, como se fosse a própria Babette.

Um prato, um talher, um guardanapo de linho. A flor que você trouxe, num vasinho de cristal – ou numa garrafa vazia de qualquer coisa, tanto faz.

Mas é indispensável a flor ao lado da vela. Todas as outras luzes apagadas. Acenda outro incenso, se quiser. Baixe o volume da música. Nenhuma possibilidade de que possa haver interrupção a essa liturgia de amor.

Nenhuma possibilidade de que possa haver intervenção do horror.Toda a atmosfera envolve então teu corpo – e o consagra.
A alma, o vinho, o silêncio. Você está com a consciência à flor da pele: seria capaz até de ouvir a tosse de uma mosca. O ar fresco que penetra pela janela e levanta um pouco a cortina. Um cachorro que late lá na rua, na esquina.

Você se lembra de certas coisas que estão longe, e de outras que estão perto. Pega o talher mais delicado como pegasse um violino, e começa a comer, sem pressa alguma.

Sem barulho. Mastiga demorado, sente o gostinho real do que logo fará parte do teu corpo, do teu sangue. E bebe o vivo, também sem pressa, como se estivesse deitada num altar,
olhando você mesma no teto da Sistina.

Parte do texto infinito jantar

Comentários