Um ser mora dentro de mim

Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a casa dele, e é.

Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem – pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela – apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão.

Seu focinho é úmido e fresco.

Eu beijo o seu focinho.

Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito.

A menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave.

Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome.

Ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai.

Se ele fareja e sente um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e ai.

Aviso também que não se deve temer seu relinchar: A gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera, a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez.

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